terça-feira, 21 de agosto de 2007

Teatro na TV

É óptimo chegar à noitinha, talvez numa quinta-feira a seguir ao Telejornal, e ver, na televisão, uma peça de teatro, representada por alguns dos nossos melhores actores ou por jovens promessas, ou mesmo, mais raramente, por algumas boas companhias de teatro de amadores, como é o caso da Nova Comédia Bracarense, com boa encenação, temas ricos e diversificados, autênticas maravilhas sem sair de casa.

Sim, é falso. Não há qualquer género de teatro na televisão. Bem, pelo menos teatro, teatro, não há. Há frutos adocicados que regurgitam fenómenos de assistência e audiências, mas nenhuma actividade digna de corujas e não de seres humanos se pode denominar “arte”.

A minha mentira do primeiro parágrafo não surge por causa do 1 de Abril, mas pela manifesta necessidade de poder proferir aquelas palavras com confiança e autenticidade. Por muito que possa admirar a alguns, não sou grande adepto da telenovela e da porcaria da volta a Portugal em parvoíce (“Há Volta”?); não gosto da Júlia Pinheiro e da Fátima Lopes, nem da grande senhora da TVI, Manuel Luís Goucha; não me fascino com a Maddie McCann; não me emociono com “Os Malucos do Riso”, esse hino à piada parva.

Não sei porquê, mas penso que muita gente, ou pelo menos gente de alguma cultura, preferiria ver uma peça de teatro e menos uma hora e meia de “aceleras” de duas rodas, ou de modelos a retratar mentecaptos 6 ou 7 anos mais novos, ou de “pensadores dos tempos modernos” a esmiuçar a vida da Lili Caneças ao vivo toda a tarde, ou pior: a explorar as tragédias de vida de alguns prostitutos do mediatismo.

Estou farto de ver o serviço público e chafurdar na lama da luta pelas audiências, com programas de banalidades e reconstituições de telenovelas com 120 anos e nenhuma qualidade, em aspecto algum. Se a falta de noção da realidade é minha, então expliquem-me porquê: o teatro fica caro de transmitir na televisão? Não, pois claro. As audiências seriam piores que as da “fantabulástica” “Floribella”? Penso que seria difícil. Os patrocinadores não ficariam felizes? Os que patrocinam o teatro não se incomodam muito. As pessoas manifestar-se-iam contra o teatro? Não tantas como as que detestam as mesmas coisas que abomino e já referi. A cultura mata, ou magoa sequer? Talvez os ignóbeis se sintam doridos, mas isso é inerente à sua condição.

Se não houvesse qualidade e valor nas nossas peças, nos nossos encenadores e actores (e não falo só dos fenómenos de popularidade e populismo, inerentes à generalização da sua presença nas múltiplas novelas que são produzidas), talvez se justificasse, mas não é isso que acontece. Se não houvesse lugar nas grelhas, ainda assim me queixaria, mas quando há repetições de novelas com 30 anos e adaptação de personagens com dois “l” no nome, penso que, de facto, há espaço até para ver imagens de satélite meia hora por dia.

Peço, por favor ao nosso país e sociedade, mais qualidade em geral nas programações dos nossos canais, que pagamos e muito, com as toneladas de publicidade que invadem os nossos olhos e chegam a influenciar a nossa criatividade. Peço um pouco de teatro, com regularidade e a horas decentes, para que a comum expressão “nunca fui ao teatro” possa ter um significado menos pesado.

Mas, por favor, não vão buscar os actores e argumentistas às novelas que já temos, porque para isso vejo o Cândido Barbosa pedalar, enquanto choro o teatro nacional.

Miguel Marado

2 comentários:

Pedro Oliveira - NCB disse...

Concordo contigo em alguns aspectos. Mas vamos la ver. A Televisão e a lutas pelas respectivas audiências constituem um mercado, e uma das regras dos mercados livres é que procuram satisfazer o público, logo eles estão a ir de encontro ás preferências do público. Claro que é triste, deprimente at´te, dizer que o público português gosta de se emocionar com a pequenota desaparecida, e até gosta de ir la para aqueles cantos de propósito só para ver onde morava a dtia cuja. É trsite saber que se dá mais importância a uma perseguição nos EUA ou a um cão que sabe fazer surf do que casos reais, prácticos da nossa sociedade, casos que nos vemos todos os dias, os ditos insólitos. É degradante pensar que o público português gosta de ver uma transmissão de 3 horas de homens em licra. Mas pronto. Claro que adorava ver teatro na TV, mas não um teatro qualquer, não pode ser um formato qualquer. Não se pode comprar uma ideia como é habitual e espetá-la no ecrã. Algumas "colam" como é o caso do anão anafado a oferecer frigorificos. As pessoas gostam disso. Pronto. O teatro na TV tem que ser um produto que agrade aos portugueses, senão corre o risco de falhar e ser arrumado numa gaveta, outra vez.
E acho também que a nossa Televisão pública tem que ter um papel preponderante nisto tudo. Senão, é apenas mais uma desilusão.

Diogo Ferreira - NCB disse...

Sou também a favor da ideia geral, contra alguns aspectos em particular.

Sou a favor do teatro na televisão? Sou
Acho que se transmitem exagerados números de novelas e pseudo-novelas? Acho
Dão demasiada importância à cusquice generalizada? Dão! por amor da Santa perseguirão o Camacho quando ele chegou :|

Mesmo transmitindo essas coisas todas (e sou a favor do ciclismo pois tem tanto direito de antena como qualquer jogo de futebol) basta reduzirem os anuncios de 20 min. para 10 e ao fim do dia têm mais que tempo suficiente para momentos culturais tal como uma boa peça de teatro (Sublinhe-se o boa e esqueça-se os pseudo musicais dos morangos :S).

Com isto dito. Fica os parabéns por uma excelente intervenção.

Diogo Ferreira