quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Eu?

Lembro-me de quando eu era criança, mas não me consigo lembrar se tinha um amigo imaginário…

Faz hoje alguns dias, não consigo precisar bem quantos, estava eu não sei bem onde, não me recordo do sítio, quando me lembrei de algo. Na frase que acabei de escrever há verbos conjugados na primeira pessoa do singular, referindo-se, desta forma, bem como os elementos “eu” e “me”, a mim mesma. Mesmo não podendo contextualizar o surgimento desta ideia no tempo e no espaço, sei que fui eu quem a teve, recordo-me, e isso, acreditem, tem o seu valor.

Do geral para o particular: existem patologias, existem psicopatologias e existem perturbações dissociativas. Assim, é possível definir estas últimas como “disfunções das funções normalmente integradas da consciência, memória, identidade e percepção” que “podem ser súbitas, graduais, transitórias ou crónicas” (DSM-IV-TR, 2002, a pseudo-bíblia dos psicólogos). Dissociamos quando nos escapamos a nós mesmos, estando este conceito associado, por exemplo, ao muito popularizado “múltipla personalidade”. Estão-me a seguir? Não, não estou a dissociar...O que é que isto tem a ver com teatro? Voltemos, então, à minha ideia.

Quando entrei para a NCB, que é como quem diz quando comecei a fazer teatro, que é como quem diz quando me iniciei na arte da representação, ouvia dizer que, aquando em cima de um palco, o actor deixa de se sentir ele mesmo, pensando, agindo e sentindo como a personagem que naquele momento representa. No meu caso, confesso, só entendi isto bastante mais tarde...quase tarde demais. Ao início, centrava-me em memorizar o texto, palavrinha a palavrinha, as indicações cénicas e mais pequenas movimentações, e concentrava-me nisso, para nada falhar, para não me perder...Perdi-me! Até que um dia, sem que tivesse entendido o que tinha mudado, foi diferente. Em vez de me impingir tudo o que a Carolina – assim se chamava a personagem – dizia e fazia, comecei a conhecê-la, aos poucos. Quando dei por mim, era possível vivê-la, sê-la, quase livremente; era possível jogar xadrez em palco sem ter as jogadas combinadas. Por momentos, julgo que era capaz de responder a muitas perguntas sobre ela, na primeira pessoa. Voltamos à minha ideia...

O que pensei centrou-se/ centra-se, então, na possível relação existente entre o acto de representar e a dissociação. Vejamos... Estou certa de que representar não é nenhuma doença, não me interpretem mal, no entanto, já experimentei a sensação de, por momentos, no decorrer de uma peça, “deixar de ser eu”. Mais profundamente ainda, no final da mesma peça não podia jurar ter pronunciado completas todas as falas, apenas sabendo que tinha passado, acabado, e que eu tinha gostado da experiência. Perguntava-me: estará o exercício teatral associado (ou dissociado) a um outro que tem por objectivo a desintegração da identidade, percepção, memória e consciência? Se sim, será este um assunto súbito, gradual, transitório ou crónico? Já ouvi relatar que há pessoas que treinam a dissociação, como é o caso, por exemplo, das que sofreram um trauma e/ ou das que são sujeitas constantemente, por alguma razão, a um forte sofrimento físico. Dissociarão os actores? Continuam-me a seguir? Chega de perguntas… Aliás, não espero respostas, apenas opiniões… discussão! Obrigada pela vossa atenção!

Já agora, o que terão os amigos imaginários a ver com tudo isto?

2 comentários:

Miguel Marado - NCB disse...

Este óptimo texto reflecte algumas ideias que tento passar aos "meus actores" no grupo juvenil da NCB.

Como já disse à Joana, penso que o exercício essencial da representação se resume a imaginar e a empatizar com a personagem.

Assim, é essencial não termos em atenção as nossas preocupações e pensamentos pessoais, mas sim concentrar-nos em "ser", de forma consciente, a personagem estudada intrinsecamente, empatizando, isto é, pondo-nos no seu lugar, assumindo, tanto quanto nos for possível, as suas características pessoais. Bem, isto parte de dentro para fora, dos pensamentos para as atitudes, mas não passa de capacidade criativa e de imaginação.

No meu ponto de vista, esta capacidade é essencial, definindo claramente um actor dum "stage performer" qualquer ou de um comediante, por exemplo. Quanto melhor um artista representa, melhor actor é, pois claro.

É isto que penso, para não me alongar... Obrigado pelo texto, Joana Raquel.

Aceitam-se mais considerações!

Beijos,

Miguel Marado

Diogo Ferreira - NCB disse...

continuo a adorar este tipo de abordagens que fazes ao teatro...

Espero poder continuar a poder tais pérolas por muito mais tempo.

O comment n é mto grande, mas também há uma palavra que comenta o texto todo.

Excelente