terça-feira, 30 de junho de 2009

Profissionalismo e ética no Teatro de amadores

Socorrendo-me mais uma vez da afamada Wikipedia, procurei a definição de "profissionalismo". Então encontrei, no Wiktionary (dicionário da Wikipedia), o seguinte: "the status, methods, character or standards of a professional or of a professional organization" (trad.: o estatuto, métodos, carácter ou requisitos de um profissional ou de uma organização profissional). Mas que é então um profissional, que obedeça a estes requisitos e estatuto?

Voltei à Wikipedia, que dá uma definição anglófona, na qual não me revejo, do termo. Descreve-o como correspondendo a profissionais com formação académica em cargos remunerados "importantes", trabalhadores de colarinho branco. Há, no entanto, uma expressão que prende a atenção: "Less technically, it may also refer to a person having impressive competence in a particular activity." (trad.: Dum ponto de vista menos técnico, pode também referir-se a uma pessoa que tenha uma competência impressionante numa determinada actividade.). Mais à frente surgem mesmo referências a "Profissionais amadores", definidos por Charles Leadbeater e Paul Miller como "people pursuing amateur activities to professional standards" (trad.: pessoas que praticam actividades amadoras cumprindo requisitos profissionais).

Sobre amadores, a Wikipedia define-os como pessoas que não recebem um ordenado por determinada actividade, para a qual não têm treino ou educação formal, apesar de poderem atingir elevadas competências. Distingue-os dos especialistas, que têm treino/estudo e provas dadas na matéria; também de profissionais, que recebem dinheiro por exercer a mesma actividade.

Muitas vezes, à falta de vocábulo melhor, refiro-me à necessidade de profissionalismo, à vontade de mostrar o profissionalismo, no Teatro de amadores. Digo Teatro de amadores, ao invés de "Teatro amador", simplesmente porque o Teatro, uma forma de arte com uma vasta história (e, quiçá, pré-história), não é profissional ou amador, é um conceito, não um indivíduo. Assim, não se pode dizer que "o Teatro hoje, no
Mimarte, foi fraco". Foram os artistas que fracassaram, não a Arte. Talvez o que se passou em dado palco não fosse sequer digno do epíteto "peça teatral", mas isso é outra estória.

O que me interessa hoje é definir os amadores, as suas limitações e horizontes no que toca ao profissionalismo e ética, porque todo o Teatro deve ser digno desse nome. Desde que faço Teatro que me causa impressão o modo como a definição de "amador" corresponde sempre à versão atlética da palavra, e não à artística. De facto, acho normal que um excelente futebolista, especialmente se tiver para tal tido treino, se torne profissional. É comensurável, de algum modo, a sua capacidade. Agora, quando entramos na profunda subjectividade que a Arte implica, não podemos dar o mesmo sentido à expressão.

Um amador, - de Teatro, por exemplo, - é um indivíduo cujos talento e criatividade podem ser tão grandes ou maiores do que os de alguém que seja pago para o fazer sistematicamente. Não há olheiros para nos contratarem para jogar no Benfica. Os amadores são os que amam, e como tal, é natural que a sua motivação e capacidade auto-didáctica sobressaiam. Sempre, desde o primeiro pisar de palco, que julguei profundamente necessária uma grande dose de profissionalismo no Teatro de amadores. Procurei incuti-lo em quem comigo se curzou, particularmente nos meus actores, e entristece-me a sua escassez; esta, porém, não justifica a aplicação da versão "desportiva" de amadorismo.

Quanto à ética, pode ser facilmente entendida como uma apreciação da moralidade de cada acção que tomamos, cada um de nós. No Teatro de amadores, será a observação do devido respeito por públicos, entidades, restantes artistas e pela Arte em si. É cristalino que, se falo em profissionalismo, certamente não me esqueço da ética profissional quando guardo na mala, antes de cada evento teatral, os bens essenciais para o mesmo, seja para um ensaio, representação, ou ainda simples participação como membro do público.

O público deve sempre exigir do elenco, e outros artistas que o rodeiam, um espectáculo competente, devotado à devida interpretação da mensagem imiscuida no texto dramático representado. Quando questionado acerca do profissionalismo do grupo que actuou, a resposta esperada tem que ser sempre a mesma, porque o contrário é não praticar Arte, não praticar Teatro. E uma resposta "simpática" e que tem em conta os estatutos dos artistas é faltosa ,no que respeita à ética do membro do público. Pouco importa ao público quanto paga ou quanto recebe cada artista envolvido. Ao artista tão-pouco deve importar. Deve estar a Arte na cabeça de todos.

Não pode, então, um amador de Teatro, ter atitude e ética profissionais? Mais ainda, não as deverá ter? Não deverá ser muito capacitado no seu trabalho de artista? Não deverá almejar a tornar-se um "profissional amador", cumprindo os requisitos profissionais, ainda que não seja especialista e não tenha as mesmas condições? Não deve o artista levar a bom porto o seu compromisso ético para com os camaradas de palco, o gentil público e a organização?

Sou, de facto, a favor de um comportamento que só poderá fortalecer o Teatro de amadores, porque esta nobre Arte o exige e porque um médico, ainda que fora do seu serviço e sem o equipamento necessário, não deixaria morrer alguém em sofrimento, só por não ser pago por isso.

O artista, tal como o médico, tem um importante dever social e ético, seja amador, especialista, ou profissional. Eduquem-se e esforcem-se em cada papel, caros amigos, pois é justa a exigência que sobre nós se abate. Se não vos preparastes para tal, escusai-vos de subir a palco, escusai-vos de debater o assunto, escusai-vos de respirar o ar puro, que tão rapidamente oxigena a massa encefálica destes profissionais que vos olham da boca de cena, dos que vos rodeiam, que nunca podereis compreender.

Caro membro do público, exija, como antes mencionei, profissionalismo dos que vão a palco, já que o "amadorismo" se deve limitar ao não receber no final do mês, não deve passar pela comparação entre alguém que anda de bicicleta ao fim-de-semana e outro que já ganhou o "Tour de France". A performance e competência artísticas de topo estão ao nosso alcance. Exija-as e visite-nos sempre!

Miguel Marado

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