Se não se importam, gostava de falar do outro grande projecto teatral da minha vida neste texto. A Nova Comédia Bracarense não se vai importar que eu fale, momentaneamente, do projecto de teatro da escola Francisco Sanches.
Foi lá, nessa escola EB 2,3 que se localiza em S. Victor, Braga, que a minha “carreira” teatral começou. Posso dizer que se fez o actor que eu sou ali, porque se não tivesse sido a Chico Sanches o palco e eu seríamos estranhos. Foi com o “José Félix” da peça “Falar verdade a mentir”, de Almeida Garrett, e com o “Guanes” da adaptação d’ “O Tesouro”, de Eça de Queirós, que eu me estreei, depois de algumas pequenas peças enquanto criança, no infantário, mais por brincadeira que por outra razão mais apropriada e informada.
Depois desse 9º ano no qual me estreei, uma peça escrita por mim, com elenco formado pela “elite artística” do teatro da Francisco Sanches desse ano, levou-nos para a Nova Comédia Bracarense. Alguns de nós fomos ficando até hoje.
Eu não fiquei só na NCB. Durante os seis anos seguintes participei em inúmeras peças da Francisco Sanches, começando por contribuir numa peça anualmente e acabando com a mão em várias peças, com crianças entre os 10 e os 17 anos a aprenderem não só com a Manuela Duarte, professora e amiga, mas sobretudo mentora no que respeita ao teatro, mas também comigo.
Durante seis anos ganhei amizades; vivi a escola; senti a evolução da qualidade do teatro; da capacidade crítica do nosso público alvo, os familiares dos nossos alunos; fui “professor”; aprendi muito. Ganhei grandes momentos que a minha memória vai digerir lentamente até que um dia, quais lágrimas que rolam com calma, mas impetuosas, do queixo para o chão, se dissolverão.
Foram os toques da campainha, as manhãs antecipadas, as tardes encurtadas, os textos decorados, que ajudaram a regular a minha vida, a dar-lhe a forma que tem. Os amigos não seriam os mesmos sem aqueles momentos, nem mesmo a NCB seria o que é, pelo menos no que respeita ao grupo juvenil. A Ângela e o Nuno são membros antigos do grupo, que trouxe do teatro da Sanches; o Pedro Jorge foi meu colega lá, e começou ao mesmo tempo que eu nestas andanças; o Pedro, o Bruno e o Tiago, membros do workshop que agora decorre na NCB-Jovens, são antigos alunos e colegas do teatro da Sanches; finalmente, conheci o Daniel numa peça de antigos alunos na qual ele foi convidado a participar pelos artistas que acabei de mencionar.
Não vos posso dizer que foi tudo positivo e atractivo, houve momentos em que pensei desistir, fazer um último espectáculo, consciente de que o meu lugar ali se tinha expirado. Acabei por não desistir, apesar do esforço que empreendi, apesar de alguns meninos mal-educados, apesar de dores de cabeça em dias de espectáculo. A grande amizade que tenho com a Manuela Duarte e o gosto pela escola e os seus alunos impediram-me sempre de sair.
Em seis anos terminei tanto o curso do ensino secundário como o do ensino superior. Este ano tornou-se imperativo empregar-me, iniciar a actividade produtiva. Os dias longos de trabalho dão-se cinco dias por semana, pelo menos. Como é evidente, todos estes dias coincidem com a habitual actividade do projecto de teatro da Francisco Sanches. No dia 1 de Outubro, o mês passado, numa pequena representação, – a peça “Corta!”, – num local atípico, – um lar onde se comemorava o Dia do Idoso, – actuei pela que parece ser a última vez “com a camisola” da Francisco Sanches. No dia 2 tive a minha primeira e única entrevista de emprego, que me trouxe para onde estou hoje.
Depois de sete anos, acaba sem que eu pudesse calcular, bruscamente, um dos meus maiores investimentos do meu tempo a nível teatral. Adorei cada momento. Gostava de poder continuar, gostava de ir algumas vezes por semana para lá, estar com os alunos e a professora Nélinha, e não pensar em coisas de adultos, em coisas aborrecidas. Infelizmente, não vejo maneira de voltar. E hoje, dia 1 de Novembro, conforme escrevo, apercebo-me que isto é como uma morte para mim. No apelidado Dia de Todos os Santos faz um mês do que terá sido o meu (imprevisivelmente) último espectáculo pela minha querida Chico Sanches.
A vida também se faz de despedidas. Espero ficar com a NCB para sempre, porque só eu sei porque não fico em casa, onde ela sempre foi: na escola Francisco Sanches e a sua apertada sala de teatro, com corticite no chão e aquela luz forçosamente artificial que tanto me iluminou.
A vida escorre, a realidade esvai-se, os amigos mantêm-se…
Adeus, Francisco Sanches, até uma próxima…
Miguel Marado
Um comentário:
É impossivel não se ser tocado pelas palavras que escreveste, pelo sentimento que mostraste...
Espero também pra nós que não deixes a NCB. Fazes falta!
De resto não posso comentar muito mais afinal de contas nunca participei nessas iniciativas da Francisco Sanches nem sequer fui lá aluno.
Aquele Abraço
Postar um comentário